quinta-feira, 29 de setembro de 2016

HÁ ALGO MAIS, SENHORES CANDIDATOS

Impeachment, cassação de mandato, denúncias, prisões... É como se o carro sujo pela estrada das práticas sujas fosse levado ao lava-jato para tirar a lama que o encobria e impedia a visão pelos para-brisas traseiro e dianteiro. É nessa condição que o cidadão, de banho tomado, é chamado a desempenhar o seu papel social de eleitor na campanha municipal de 2016.

Como é natural dentro do novo contexto que a sociedade constrói, os candidatos são incentivados por seus marqueteiros de plantão a explorar a trilha do SES – Saúde, Educação, Segurança, como se essa fórmula mágica de promessas fosse a panaceia de todos os males. Mas o cidadão-eleitor que sai do berço esplêndido em que a nação lhe acomodou por muitas e muitas décadas, ouve, lê, vê, processa as informações, deduz e cria seu próprio senso do que se espera dos governantes. E, como resultado, se pergunta: “E tratar dessas três prioridades, senhor candidato, será suficiente? O SES é a síntese do problema, ou existem outras demandas tão prioritárias quanto estas a serem igualmente tratadas?

Ora bolas, diria o homem comum. As eleições são municipais! E certamente há muito mais a ser feito em nossas cidades, além do que nos apregoam aqueles que se apresentam como novos mensageiros da ética e da competência.

Por exemplo, as questões ambientais naturais e as questões ambientais de negócios.O que pretendem suas (futuras) excelências diante dos resíduos sólidos gerados em ritmo crescente, frenético, pelos hábitos de consumo que se renovam a cada dia? Que práticas serão adotadas em relação à coleta seletiva, em prosseguimento respeitoso ao esforço do cidadão-eleitor que ingenuamente faz em sua residência a seleção de vidros, plásticos, papéis, metais, e vê o seu trabalho inutilizado pela deposição desses materiais, pelo órgão público incumbido da limpeza urbana, em caminhões compactadores, fazendo com que tudo fique junto e misturado?

A cadeia da “coleta seletiva” possibilita que, além da ocupação digna de catadores, as autoridades públicas incentivem pelos meios que dispõe (fiscais, por exemplo) o surgimento de empresas de pequeno, médio e até mesmo grande porte, para processamento dessas matérias, como acontece um muitas cidades que se dispõem a encarar com ética e seriedade medidas que neutralizem impactos no meio ambiente. Muitas outras questões, como a da universalização do abastecimento de água potável, e coleta, tratamento e adequada disposição dos esgotos sanitários são fundamentais para alimentar a sopa de letrinhas hoje restrita ao SES.

Então, senhores e senhoras, abram mais o leque de suas propostas em seus discursos e mostrem ao cidadão-eleitor o efetivo empenho de tornar nossos municípios "cidades amigáveis", onde residentes, turistas ou visitantes casuais se sintam acolhidas e com autêntica alegria de viver. "SES" sabem do que eu estou falando.


sábado, 10 de setembro de 2016

Rio de Janeiro - Origens esquecidas da crise (2)


Fruto da transferência da Capital Federal para Brasília, a Guanabara registra ser o único caso de uma cidade-estado na História do Brasil, resultado de um plebiscito realizado em 21 de abril de 1963, no qual a população se fixou em ter um único município na unidade federada. Coube ao Presidente da República nomear o seu primeiro Governador,  o Diplomata José Sette Câmara Filho, cargo exercido até 5 de dezembro de 1960.
Ainda aturdidos com a nova condição de Estado da Guanabara, os cariocas se viam embriagados pela eleição de seu primeiro Governador, o combativo e combatido jornalista Carlos Lacerda,  pela maioria do eleitorado Udenista (União Democrática Nacional).  Orador contundente, Lacerda imprimia sua verve em tudo o que fazia.  É dele a expressão: “Não gosto de política ... gosto é do poder. Política para mim é um meio de chegar ao poder ¹”.
Governador enérgico e administrador competente logo nos primeiros dias inicia uma ampla reforma administrativa, modernizando a gestão e tornando obrigatório o acesso ao quadro do funcionalismo pelo concurso público compulsório. Universalizou o acesso ao ensino primário, investiu em obras estratégicas como a construção dos Túneis Santa Bárbara e Rebouças, facilitando o acesso dos moradores da Zona Norte à Zona Sul da  Cidade. Enfrentou corajosamente o equacionamento do abastecimento de água, criando o projeto “Água até o ano 2000 – A Obra do Século” e edificando a Nova Estação de Tratamento de Água do Guandu.
Nesse clima de euforia que inebriava a sociedade, Lacerda concebe a celebração do IV Centenário como uma plataforma para a sua candidatura às eleições presidenciais previstas para 1965 ².
No segundo semestre de 1963 foi delineado o plano de defesa do Palácio Guanabara, sede do Governo Estadual. “ O cenário político de então já mostrava, claramente, a disposição do governo federal em retaliar o Estado da Guanabara por sua oposição radical ao sistema dominante. O governador Lacerda, ao lado de importantes lideranças civis e militares, defendia, ostensivamente, a queda do presidente João Goulart. 3
Eis que em  31 de março de 1964 eclode o movimento revolucionário e o Rio de Janeiro se vê no epicentro dos acontecimentos, com tropas que se dirigem de Minas Gerais para cá.
Para suceder Carlos Lacerda, os cariocas elegem pelo voto direto o Embaixador Negrão de Lima, pelo PSD – Partido Social Democrático.  Simultaneamente os Mineiro elegem Israel Pinheiro pelo mesmo Partido para o Palácio da Liberdade. Atribui-se a esses dois resultados eleitorais a edição do Ato Institucional nº 2 – o AI-2 que acabou com o pluripartidarismo no Brasil.
Negrão de Lima governou de 1965 a 1970 e seu governo foi de intensa radicalização política, pois não era o candidato da preferência da ditadura militar, tendo sido alvo, inclusive, de uma tentativa frustrada de seu antecessor visando sua deposição antes de sua posse 4.
Em 1970 o empresário e jornalista Chagas Freitas, se elege pelo MDB Movimento Democrático Brasileiro. Tradicional aliado do político paulista Ademar de Barros acompanhando-o desde o tempo da criação do PSP – Partido Social Progressista, o novo Governador do Estado da Guanabara foi o mentor de política clientelista, distribuindo cargos a seus cabos eleitorais (prática que ficou conhecida como a “política da bica d´água”).  O “chaguismo” imperava na política carioca.
Em seu governo, que seguiu até 1975, foi construído o Emissário Submarino da Ipanema, enquanto o Governo Federal inaugurava a Ponte Rio-Niterói  (em 1974) e iniciava os investimentos da Usina Nuclear de Angra dos Reis - Angra 1  (em 1972).
Esse é o pano de fundo político que ensejou a promulgação da Lei Complementar nº 20, que em seu Capítulo II decide pela Fusão dos Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara.
A efêmera trajetória da Cidade-Estado da Guanabara possibilitou que, mesmo sem ter tido qualquer indenização do Governo Federal pela transferência da Capital para Brasília (muito pelo contrário, perdendo verbas e empregos públicos  federais), a Guanabara contabilizasse uma elevada renda per-capita decorrente da arrecadação simultânea de tributos estaduais e municipais, o que viabilizou investimentos em obras públicas, na contramão do vizinho Estado do Rio de janeiro, com sua economia combalida desde 1927.
A sequência de fatos e decisões que formam as origens esquecidas da crise atual do Estado do Rio de Janeiro, atribuída como que exclusivamente à queda do preço do petróleo no mercado internacional,  será tratada no terceiro artigo desta série que procura relembrar razões e motivos que impõe à população fluminense as adversidades  anunciadas e que recentemente levaram o Governador interino Francisco Dornelles a decretar, de forma inédita na História do Brasil, e às vésperas da realização do maior encontro global da era moderna– os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, o “Estado de Calamidade Pública no âmbito da administração financeira” 5.










Rio de Janeiro - Origens esquecidas da crise (1)


Duas traumáticas decisões de grande extensão foram tomadas pelo poder central do Brasil que impactaram profundamente os cariocas e, também, a sociedade fluminense, ambas sem que houvesse consulta (e muito menos consentimento) dos cidadãos atingidos. A primeira delas em 21 de abril de 1960, dia em que o Rio deixou de ser a capital federal ¹. Logo em seguida, em curto espaço de tempo, menos que uma geração de intervalo (historicamente um espaço de tempo extremamente reduzido),  em 15 de março de 1975 Guanabara e Rio de Janeiro  se transformam em um só Estado ².

Este artigo é dedicado a analisar a primeira dessas decisões, provavelmente o cerne da crise hoje verificada no Estado do Rio de Janeiro, que por miopia histórica é atribuída exclusivamente aos impactos do preço do barril do petróleo no mercado mundial.

No primeiro momento, a Cidade do Rio de Janeiro, sede do Governo central desde a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, se viu subtraída do que era, até então, sua vocação natural: ser sede do poder político, econômico e social da Nação. Virou uma cidade de majestosos prédios vazios.

Diferente do que ocorreu em Bonn quando da decisão da reunificação da Alemanha. No histórico dia de 20 de junho de 1991, o Bundestag (Parlamento alemão) decidiu por estreita margem de apenas 18 votos de diferença, que Berlim voltasse a ser a capital, Bonn deixou de ter a condição de Capital Provisória da Alemanha Ocidental, status que manteve desde 1949.³

Bonn perdeu a acirrada disputa para Berlim. Entretanto, recebeu subsídios generosos, conservando ainda a sede de vários ministérios garantindo assim a manutenção de empregos públicos. De outra sorte, a prudência alemã fez om que a mudança tenha ocorrido em tempo lento e gradual de modo que Bonn pudesse se adaptar a uma nova conjuntura.

Por aqui, tudo foi diferente. A velocidade com que todos os Ministérios foram transferidos foi assombrosa. Restaram poucas “relíquias” dentre as “joias da coroa” transferidas açodadamente para a nova Capital, dentre elas as sedes da Petrobrás, da Eletrobrás e de Furnas.

Os pais de nossos jovens e as escolas e faculdades, até então, incutiam em suas cabeças que eles deveriam se preparar para ser aprovados em concursos públicos, fonte predominante de emprego e geração de renda na até então Capital Federal.

“A informação corrente entre as pessoas leva a crer que os funcionários públicos ou de estatais são pessoas protegias em suas carreias sendo promovidas por tempo, prestígio e, às vezes, por mérito” afirma Antenor Barros Leal em Construindo o Futuro – Novas Gerações na Trilha da Responsabilidade Social, ao analisar os aspectos que levam nossa juventude a ter reduzida vocação para o empreendedorismo.

Cinquenta e seis anos se passaram desde a transferência da Capital Federal para Brasília. Duas gerações se formaram, mas a falta de decisão correta tomada naquele tempo oportuno, no sentido de prover a sociedade carioca de meios adequados para a adaptação de sua cultura econômico-social, ecoam até os dias de hoje.

Como seriam os dias atuais se as decisões corretas tivessem sido tomadas na hora certa? Como seria o presente se medidas graduais, se indenizações compensatórias tivessem sido praticadas pelo governo central em favor do equilíbrio da conjuntura da Federação? Estaria a crise que impiedosamente atinge os mais vulneráveis (como os funcionários públicos e aposentados do Governo estadual) nas mesmas dimensões que hoje é  alardeada? Certamente que as respostas são uma grande e retumbante negativa. O cenário seria mais favorável para todos os brasileiros, muito além dos benefícios trazidos apenas e tão somente para um grupamento de 3,3 milhões de cariocas, população da então Mui Heróica e Leal Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.4

Essa origem teve uma segunda agravante num espaço de tempo de apenas 15 anos - a "fusão" dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro. Mas esse outro fenômeno merece, por sua extensão e profundidade, ser tratado num artigo próprio. E assim o será.

A Cidade do Rio de Janeiro, até então cantada aos setes ventos como a Cidade Maravilhosa, manteve o encantamento de suas belezas naturais, mas se viu abandonada à própria sorte, perdendo abruptamente o glamour da agitação da vida diária, do vai-e-vem de personalidades, tornando-se uma Cidade sombria, como que inspirada por Pirandello em sua obra "Seis Personagens à Procura de Um Autor".












Ilustração: foto de Lucarelli de 1960, publicada em http://riomaisvintage.tumblr.com/  visitado em 10/09/16