Diego Velásquez (1599-1660), pintor sevilhano de ascendência portuguesa, imortalizou sua
crítica social em várias de suas obras. Certamente motivado por minha dedicação
às questões do saneamento básico, destaco a tela “O Aguadeiro de Sevilha”. Um fonte permanente de inspiração.
Nesta, datada de 1620, Velásquez retrata um homem alto, mal
vestido, humilde, com um cântaro em sua mão esquerda, enquanto serve água, com
sua mão direita, numa taça de cristal, a um menino da nobreza. Suas vestes
modestas contrastam com a gola de rendas finas do jovem a quem serve.
Ao fundo um terceiro personagem, em penumbra, mitiga sua sede com um copo de
vidro à boca.
Tenho uma gravura do Aguadeiro em minha residência e, quando
participei do Conselho Editorial da Revista Bio, da Associação Brasileira de
Engenharia Sanitária e Ambiental, consegui faze-la capa de uma das edições.
Sempre que percebo a tendência de se tratar os serviços
públicos de abastecimento de água potável como um mero negócio, Velásquez
ressalta em minha mente. Sim, porque uma pergunta me é recorrente: como fica o
acesso das populações economicamente menos favorecidas a esses serviços, vitais
à saúde, se aqueles que explorarem tal atividade tiverem o lucro como legítima
finalidade de suas atividades?
O Estado do Rio de Janeiro passa por severa crise econômica.
Esse fato é do conhecimento internacional dado a proximidade das Olímpiadas e
ao fato de aos 49 dias de sua abertura oficial o Governo do Estado ter decretado
(num ato inédito) do estado de calamidade pública para se defrontar com risco do
total colapso na segurança pública, na saúde, na educação, na
mobilidade e na gestão ambiental.
Como principal acionista da CEDAE, a
Companhia Estadual de Águas e Esgotos, o Governo do Estado também anuncia a sua
intenção de vender esse ativo, estimado em R$ 4 bilhões (embora a empresa tenha
passivos de R$ 2 bilhões, segundo O Globo de 23 de junho de 2016), para abater
o resultado da dívida de R$ 67 bilhões com a União.
Embora a pressão para a privatização
das empresas estaduais de saneamento seja um tema recorrente há longo tempo,
ler essa notícia nesse momento crítico da economia fluminense me faz pensar na
metáfora daquele indivíduo que, endividado, decide vender a roda de seu carro,
coloca-o num cavalete, e com o resultado da venda, enche o tanque de gasolina do
seu veículo.
O assunto merece extrema atenção e lúcida
reação da sociedade. Serviços dessa natureza jamais poderão ser tratados com
essa ótica. Assim penso, assim acredito, assim defendo.