sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

NO NOVO TEMPO ... FELIZ DOIS MIL E SEMPRE


Em 1849 Roma vivia grandes desafios diante do cerco que lhe era imposto por tropas hostis. Nesse cenário, um perseverante deputado republicano, o bravo Giuseppe Garibaldi, bradou diante da Assembleia Romana:

La fortuna che oggi ci tradì, si arriderà domani. Lo esco da Roma; chi vuol continuare la guerra contro lo straniero venga com me. Non offro nè paga, nè quartiere, ne provvigioni; offro fame, sete, marce forzate, battaglie e morte. Chi há il nome d’Italia non sulle labbra soltanto ma nel cuore, mi segua.
A sorte, que hoje nos traiu, sorrirá para nós amanhã. Estou saindo de Roma. Aqueles que quiserem continuar a guerra contra o estrangeiro, venham comigo. Não ofereço pagamento, quartel ou comida. Ofereço somente fome, sede, marchas forçadas, batalhas e morte. Os que trazem o nome da Itália não só nos lábios, mas no coração, sigam-me.
Possivelmente inspirado nessas palavras, quase cem anos mais tarde, uma outra figura da História Contemporânea, Sir Winston Churchill , também acossado por desafios inimagináveis, fez seu célebre discurso à Câmara dos Comuns para submeter à aprovação a Moção de Confiança, que foi concedida ao Gabinete de Guerra que ele havia organizado.
I now invite the House, by the Motion which stands in my name, to record its approval of the steps taken and to declare its confidence in the new Government.
In this crisis I hope I may be pardoned if I do not address the House at any length today. I hope that any of my friends and colleagues, or former colleagues, who are affected by the political reconstruction, will make allowance, all allowance, for any lack of ceremony with which it has been necessary to act. I would say to the House, as I said to those who have joined this government: "I have nothing to offer but blood, toil, tears and sweat."
We have before us an ordeal of the most grievous kind. We have before us many, many long months of struggle and of suffering.
Convido agora a Câmara, pela moção apresentada em meu nome, a registar a sua aprovação das medidas tomadas e a afirmar a sua confiança no novo Governo.
...
Neste momento de crise, espero que me seja perdoado não falar hoje mais extensamente à Câmara. Confio em que os meus amigos, colegas e antigos colegas que são afetados pela reconstrução política se mostrem indulgentes para com a falta de cerimonial com que foi necessário atuar. Direi à Câmara o mesmo, que disse aos que entraram para este Governo: «Só tenho para oferecer sangue, sofrimento, lágrimas e suor». 
Temos perante nós uma dura provação. Temos perante nós muitos e longos meses de luta e sofrimento. (²)
São passagens de dois grandes líderes que submetidos a provações incalculáveis, sem a menor ideia de como iriam superar as adversidades, jamais se deixaram abater e, ao final de suas lutas, conseguiram fazer com que seus ideais fossem alcançados. O que fizeram com suas palavras? Acenderam a chama da esperança sem seus compatriotas, sem lhes fazer falsas promessas.
Vida que segue e em 1980, por nossas bandas, a sociedade se organizava para clamar, logo adiante, pelas Diretas Já.  O Regime Militar se tornava insuportável. Grandes desafios se apresentavam aos brasileiros oprimidos pelas armas e pelo poder ditatorial.
O meio artístico se apresentava como forma de mobilização. Nesse cenário um jovem tijucano (³), o compositor  Ivan Lins, à época com seus 35 anos de idade, e Vitor Martins, seu parceiro maior, lançam o álbum Novo Tempo, cuja faixa título, inspirava seus admiradores, em música e letra, a acenderem a chama da esperança.
No novo tempo, apesar dos castigos Estamos crescidos, estamos atentos, estamos mais vivos Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer 
No novo tempo, apesar dos perigos Da força mais bruta, da noite que assusta, estamos na luta Pra sobreviver, pra sobreviver, pra sobreviver 
Pra que nossa esperança seja mais que a vingança Seja sempre um caminho que se deixa de herança 
No novo tempo, apesar dos castigos De toda fadiga, de toda injustiça, estamos na briga Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer 
No novo tempo, apesar dos perigos De todos os pecados, de todos enganos, estamos  marcados Pra sobreviver, pra sobreviver, pra sobreviver 
No novo tempo, apesar dos castigos Estamos em cena, estamos nas ruas, quebrando as algemas Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer 
No novo tempo, apesar dos perigos A gente se encontra cantando na praça, fazendo pirraça
Muitos dizem que este ano de 2016 é o ano que se recusa em acabar. Há uma dinâmica extraordinária em curso, e a sociedade fica aturdida sem saber ao certo que rumo tomar.
Os mais pessimistas insistem em analisar os números e fazer projeções cada qual pior. Até parece um concurso para, ao final, poderem dizer: Eu disse, viu? Eu sabia .... a catástrofe era visível!!!
Aff para esses profetas azarões. Confirmar que o que está ruim ficou pior é ter a atitude da hiena Hardy ao se lamuriar: Oh céus, oh vida, oh azar .... isso não vai dar certo!
Mas o que de fato nos leva a essas tendências pessimistas, e o que Garibaldi, Churchill e Ivan Lins e Vitor Martins têm a ver entre si e com o réveillon que se aproxima? CREDIBILIDADE é a palavra que encontro. Sim: CREDIBILIDADE, repito.
Os que seguiam Garibaldi acreditavam em sua conduta e valentia a ponto de lhe conceder a alcunha de Herói de Dois Mundos. Churchill, com seu exemplo e eloquência manteve a coesão dos britânicos diante dos insuportáveis bombardeios sobre Londres e por todo o Reino Unido.  Ivan Lins e Vitor Marins eram, e ainda permanecem sendo, pessoas confiáveis, sem subterfúgios, lúcidos em suas inspirações.
Quando nos vemos no limiar de um novo ano, perdemos a perspectiva de acreditar na reversão da tendência pois as personalidades que conduzem os poderes públicos (com raras exceções como os Magistrados, Procuradores, e agentes da Policia Federal e Delegacia da Receita Federal  que integram forças-tarefas como a Lava-Jato), e os empresários e controladores  das megaempresas brasileiras, hoje sabidamente pródigas em megafalcatruas pelo mundo afora, jamais serão depositários da credibilidade do povo brasileiro.
A cada dia, abrimos o jornal com a expectativa de ler qual a noticia ruim de hoje que supera a pior de ontem. Esse é o ponto central da questão: FALTA DE CREDIBILIDADE.
Certamente a forma de sair dessa situação, de reverter esse quadro, se distancia da busca do “Salvador da  Pátria” de plantão.
O que fazer então?  Unirmo-nos,  os cidadãos de bem e do bem, para que as redes de pessoas com credibilidade possa fazer a diferença. Que desses grupos possam emergir líderes que tragam consigo a credibilidade em seus corações, mais que em seus lábios.
No novo tempo, apesar dos perigos, a gente deve se encontrar na praça, nos lares, nas escolas e universidades,  fazendo pirraça pra sobreviver, pra sobreviver .
Assim, dois mil e dezessete poderá ser para nós, brasileiros, um novo tempo para podermos dizer: Feliz dois mil e sempre!





quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

O Brasil, Poderoso e Feliz Há de Ser


Em 1978 prenunciavam-se, no Brasil, os ventos do fim do regime militar e a volta da democracia. Ainda pairava o medo da repressão, mas do meio artístico surgiam alguns expoentes que se expunham colocando suas ideias em forma de canção.

Cada poema, cada letra musicada tem sua razão de ser. O poeta, por sua natureza, é alguém que abre sua mente e se deixa permear por mensagens, nem sempre materializadas, que provocam o que Amit Goswani, com sua visão científica sobre a Física Quântica, denomina saltos quânticos descontínuos que acontecem nas artes, na música, na literatura, na matemática e em muitas áreas do conhecimento humano, do qual resultam os insights.

A História é escrita a cada dia. Nem sempre percebemos, porque somos os protagonistas do cotidiano e só no futuro somos capazes de voltar os olhos pra trás para lembrar dos tempos passados.

Assim estamos todos vivendo esses inesquecíveis dias de 2016 com tamanha dinâmica social.  Cada nova notícia encoraja a pensar que a Democracia esteja em ritmo acelerado de sua consolidação e que a sociedade brasileira evolui na direção de seu desenvolvimento futuro para que a Nação venha a ressurgir com novos paradigmas, abandonando alguns herdados de nossas origens mais longínquas.

Vira e mexe vem à minha mente a letra que em 1978 inspirou Ivan Lins, carioca tijucano como eu, de inesgotável veia musical, a compor Cartomante, imortalizada na voz do autor e de Elis Regina, uma de suas mais destacadas intérpretes.

Diz Ivan Lins:

Nos dias de hoje
É bom que se proteja
Ofereça a face a quem quer que seja

Nos dias de hoje esteja tranquilo
Haja o que houver pense nos seus filhos
Não ande nos bares esqueça os amigos
Não pare nas praças não corra perigo
Não fale do medo que temos da vida
Não Ponha o dedo na nossa ferida... Ah...

Nos dias de hoje
Não lhes dê motivo
Porque na verdade
Eu te quero vivo

Tenha paciência
Deus está contigo
Deus está conosco
Até o pescoço

Já está escrito
Já está previsto
Por todas videntes
Pelas cartomantes

Está tudo nas cartas
Em todas as estrelas
No jogo dos Buzios
E nas profecias... ah...

Cai, o Rei de espadas
Cai, o Rei de ouros
Cai, o Rei de paus
Cai, não fica nada!!

A cada figura que esteve na proa dos acontecimentos nas últimas décadas, seja no meio político, seja no empresariado, e que se noticia a prisão em cárcere comum, é inevitável lembrar: Cai o Rei de cada, de todos os naipes. E que caiam, sim, independentes do porte dos cargos que ocuparam. Todos. Mandatários e até mesmo seus cônjuges se cúmplices como usufrutuários e usufrutuárias da boa vida que lhes foi proporcionada pela corrupção desenfreada.

Na Argentina, País vizinho, nosso irmãos portenhos tiveram coragem de ir fundo em suas mazelas. Agora é a nossa vez.

No dia de hoje, 07 de dezembro de 2016, quando o Supremo Tribunal Federal, órgão máximo de nossa magistratura, realizar sua histórica reunião plenária para tratar com prioridade da decisão liminar de um de seus pares, estejamos tranquilos. Haja o que houver, pensemos em nossos filhos. Tenhamos paciência. Deus está conosco, até o pescoço. Já está escrito, já está previsto, por todas as videntes, pelas cartomantes, pela força da manifestação popular isenta de qualquer vinculação partidária como a deste fim de semana em inúmeras cidades de nosso País continental. Está tudo nas cartas, em todas as estrelas, no jogo de búzios e nas profecias .... que caiam todos aqueles que se locupletaram às custas dos mais sofridos que penam a cada dia nas filas dos hospitais, na falta de transportes adequados, nas mesas sem alimentação básica, nas roupas maltrapilhas.

Basta de reuniões na calada na madrugada, daqueles que indiferentes à comoção com a tragédia de Chapecó, se mostram sorrateiros para a tomada de decisões que certamente receariam tomar à luz da consciência de seus eleitores, informados pela livre imprensa que cumpre seu importante papel.

Caiam, sim, até que das estruturas antiquadas, distantes da realidade do povo, não fique nada! Sejamos perseverantes até que tudo se mostre claro e aceitável. Desde o nascimento, o ser humano sabe que para crescer há que sair da zona de acomodação, do conforto do útero materno. E isso implica em dor. E essa é a nossa fase de evolução.

Assim, o Brasil, por seus filhos amados, poderoso e feliz há de ser!









(ilustração colhida na internet em: https://contrapontosocial.wordpress.com/2016/06/07/cai-rei-de-espada-cai-o-rei-de-ouros-cai-o-rei-de-paus-cai-nao-fica-nada/)

domingo, 4 de dezembro de 2016

Um Conto de Uma Manhã Chuvosa

Resido na Tijuca, um bairro tradicional do Rio de Janeiro. Sou um privilegiado. Moro em rua arborizada, pacata, próximo a uma reserva da qual se tem acesso à Floresta da Tijuca. Os prédios vizinhos são habitados por famílias de classe média-alta.  Gente de bom nível social.
Neste Domingo (4 de dezembro) ao sair para as compras, percebi muito lixo pela rua. Uma cena pouco comum. Na direção do edifício defronte a minha residência o volume acumulado era impressionante.

Carro na pista vi um porteiro a pequena distância varrendo o asfalto. Parei e ao cumprimenta-lo, indaguei:

"Bom dia! Choveu muito na noite passada?".

Ele, prontamente: "Bom dia! Sim senhor. Um temporal."

"Parabéns pelo senhor estar tirando o lixo acumulado na porta de seu prédio", eu lhe disse.

E ele: "Minha obrigação. Encheu a rua por causa do lixo que desceu da Formiga (comunidade próxima). Se chover de novo, deve encher menos..."

A cena me acompanhou enquanto cumpria a missão a que me propus. Regressei. O lixo amontoado no prédio em frente permanecia lá, intacto. Muito lixo. Garrafas Pets em quantidade, sacos plásticos, de tudo um pouco.

Estacionei e inquieto, pedi ao porteiro  de minha residência que me cedesse 2 sacos plásticos de 60 litros, uma pá e uma vassoura. Sem luvas ou ferramentas adequadas parti para resolver o problema que me inquietava. Em atitude solitária, enchi o primeiro saco. Um considerável volume de detritos diversos ainda obstruía a boca de lobo. Segui a tarefa e enchi o segundo saco, deixando livre a grelha junto ao asfalto para escoar a água caso um novo temporal que se anuncia pelas nuvens escuras no céu venha a acontecer.

Achei estranho ser esse o único prédio ao alcance de meu olhar em que o lixo havida sido deixado no asfalto. Nele, nenhuma pessoa havia se prontificado a fazer a tarefa; nem morador, nem funcionário da faxina. Enquanto eu seguia o meu propósito, carros de luxo entravam na garagem do tal prédio. Os moradores que os dirigiam se mostravam indiferentes. Outros residentes, passavam por mim e entravam pelo portão de pedestres sem ao menos me dirigir um cumprimento amável. Um visitante se aproximou e ao apertar o botão de comunicação com a portaria, foi respondido por uma voz responde pelo interfone, o que representava um empregado do condomínio por trás dos vidros escuros da guarita.
 Eu me senti transparente.

Agachado, com a mão na massa (literalmente), refletia sobre a indiferença comunitária desses vizinhos. Poderiam estar pensando: "Esse trabalho é da COMLURB (a companhia de limpeza urbana da Cidade); "O que eu tenho a ver com isso?"; Culpa do Governo que deixou de cuidar do lixo". Coisas assim. Jamais saberei, até porque jamais lhes indagarei a respeito.

O que fiz? Fiz a minha parte! Sem pretender nada, muito menos ser exemplo para quem quer que seja, tirei o lixo que os empertigados  que passaram por mim abdicaram de remover.

Ao entrar de volta no prédio em que resido agradeci ao porteiro por ter cedido os sacos e as toscas ferramentas.  Aproveitei a oportunidade para um "treinamento" comentando com ele sobre a indiferença daquelas pessoas, e afirmando que certamente em nosso prédio ele e seus colaboradores na manutenção fariam sempre a sua parte, limpando a porta de nossa moradia.

Tudo isso me fez recordar uma diálogo com um querido amigo, descendente de família inglesa que ao imigrar para o Brasil fundou uma grande fazenda para produzir café no interior de São Paulo. Contou-me ele, um dia, a respeito da fleuma britânica de sua avó. Geraldo Spears da Rocha Pombo (esse era o seu nome) disse que certo dia presenciou sua avó com amigas inglesas tomando o chá das cinco quando o capataz entrou correndo pela sala e, nervoso, a interrompeu dizendo: "Senhora, Senhora, o grande galpão está em chamas .... O que a senhora vai fazer?". E ela, sem perder a concentração na agradável conversa com as amigas disse com seu sotaque: "Nada. Eu não 'ser' bombeira!".

É, talvez se eu indagasse a essas pessoas indiferentes que residem nas proximidades: "Senhores, a rua está repleta de lixo ... O que pretendem fazer?" elas me responderiam: "Nada. Eu não 'ser' gari!"

Vida que segue. Como a metáfora do colibri apagando o incêndio na floresta com as gotas d´água em seu bico, eu fiz a minha parte. E como Fernando Pessoa completa, o por-fazer é só com Deus.