segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Amanhã ... quem o fará (2)


Por volta de 1945 meus pais decidiram mudar o domicilio da família do Engenho Novo para a Penha Circular, um bairro da Zona de Leopoldina então incipiente, em formação.

A família, então, era constituída pelos pais - Seu José Pereira e Dona Mercedes - e meus dois irmãos Heidy e José Padrão. Eu só viria ao mundo um pouco mais tarde, em maio de 1948.

Seu José Pereira foi o terceiro comerciante a se estabelecer no bairro. O primeiro foi o padeiro, o Seu Boal (isso mesmo, o pai do famoso teatrólogo Augusto Boal, criador do Teatro do Oprimido); o segundo, o Seu Amado, que vendia eletrodomésticos e Papai que os consertava quando surgiam defeitos.

A Rua lobo  Junior era a principal artéria que ligava a estação do trem à avenida Brasil. No Carnaval, na porta do prédio em que nasci , era montado um coreto com o patrocínio dos comerciantes onde uma "Comissão Julgadora" avaliava as  Escolas de Samba em formação que por ali desfilavam, como a Império Serrano e a Portela. Eu, sempre avesso às festividades de Momo, era fantasiado à força, quisesse ou deixasse de querer ...

Os anos passam, as famílias crescem, o bairro ganha sua primeira indústria, a fábrica de soutienes De Millus. Nós também evoluíamos dentro de nossos modestos padrões de vida (em Ética - Uma Caminhada Sem Linha de Chegada conto algumas passagens desse período ...).

Meus irmãos e eu éramos alunos dedicados, disciplinados, estudiosos. Papai sem medir esforços nos dava o melhor das escolas locais. No Colégio Filadelpho Azevedo, na Penha, fiz meu curso primário; depois, o ginasial no Instituto Santa Teresa (inspirado no método de ensino do Colégio Militar), em Olaria, onde completei o curso ginasial.

O curso Técnico em Contabilidade me levou para a mesma Escola em que meu irmão havia se formado: o Instituto Santa Rosa, no Largo de São Francisco, no Centro da Cidade. Um passo e tanto. Eu ganhava asas e me distanciava de meu domicílio de nascimento.

Daí em diante, tomei gosto por ousar e, de repetente, aos 21 anos de idade, decido mudar-me (já adulto e independente) para a Tijuca. pronto: amor à primeira vista! O novo bairro de classe média alta me acolheu com generosidade e eu o adotei com muito amor.

Minha Família permanecia residindo na Penha. Eu tinha desgarrado.

Com o falecimento de meu pai, sugeri que Dona Mercedes e minha Irmã Heidy mudassem para a Tijuca, o que fizeram. Mais adiante foi meu irmão José, que também transferiu sua Família para perto de nós.

Pronto! Do passado distante, restou-nos lembranças. Nós nos desenvolvíamos econômico e socialmente, com muito esforço, mas com razoável sucesso.

Por que conto essa breve história de vida?  Porque ela retrata uma boa parte de nossa cultura. Pessoas nascem, crescem, se estabelecem e ao invés de contribuir para o desenvolvimento de seus habitats de origem, mudam seus domicílios para outros bairros e regiões, propiciando de um lado a consolidação e fortalecimento do que já tinha ares de prosperidade, e deixando para trás espaços vazios que dificultam o desenvolvimento das regiões nativas.

Nenhum sentimento de arrependimento trago comigo pelos passos que tomei. Fazem parte de minha trajetória de vida e, quando volto meus olhos para trás, me sinto feliz com as decisões tomadas.

Contudo, quando retorno ao bairro em que nasci, e vejo o prédio que foi meu berço com poucos sinais de desenvolvimento (o da foto deste post nos dias atuais), sinto uma certa dose de débito para com aquela região.

Hoje sou sabidamente comprometido com a Tijuca e reajo a qualquer tentação de mudança. Devo ao bairro que me acolheu a contribuição para faze-lo um pouco melhor a cada dia. Mesmo que modestamente, como sempre tem sido a minha vida até aqui.

Joper Padrão

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