sábado, 16 de abril de 2016

CADA DIA COM SUA ALEGRIA

Ao despertar neste Sábado (16 de abril), após acompanhar na véspera e evolução dos acontecimentos em Brasilia, fui cauteloso. Sabia que o meu hábito de ler O Globo precisava ser precedido de algum antídoto contra mau-presságios.  Lembrei, então, de uma canção de Suely Costa e Abel Silva, da década de 1980, interpretada por Elis Regina: “O Primeiro Jornal”. Magistral!  Relembrei sua interpretação no palco do Canecão (eu estive lá!). Deslumbrante!   Alegria pura. Injeção de entusiasmo na veia.
 Quero cantar pra você, Segunda-feira de manhã, Pelo seu rádio de pilha tão docemente ...  E te ajudar a encarar esse dia mais facilmente
Quero juntar minha voz matinal, Aos restos dos sons noturnos, E aos cheiros domingueiros que ainda boiam, Na casa e em você
Para que junto com o café e o pão se dê, O milagre de ouvir latir o coração, Ou quem sabe algum projeto, uma lembrança, Uma saudade à toa, Venha nascendo com o dia numa boa,
E estar com você na primeira brasa do cigarro, No primeiro jorro da torneira, Nos primeiros aprontos de um guerreiro de manhã
Para que saias com alguma alegria bem normal, Que dure pelo menos até você comprar e ler .... O primeiro jornal
 Pronto! Inocente (eu o sou, acreditem!) disse a mim mesmo. Abra e leia, Joper.
Tenho um hábito incomum. Leio a primeira página; depois vou para a última página do primeiro caderno. De lá, venho de trás pra frente até chegar à página 2.  Esquisitices de cada um.  E assim fiz.
Eis que chego à página 14 - Rio. Cofre Vazio é a cabeça. Uma entrevista com o engenheiro que está à “frente da mais grave crise do Estado  como titular da Secretaria de Fazenda do Estado”. Título em caixa alta e negrito: “Do jeito que vai, 2017 será pior para o Rio”. Pronto! Como Abel Silva havia vaticinado, minha alegria durou até ler o primeiro jornal.
Dois pontos saltaram aos meus olhos. Primeiro, quando o entrevistado afirma que “o grande problema, na verdade, é a previdência”. Ao final, repete uma frase de efeito que vem dizendo em entrevistas nos últimos dias, e que ferem os ouvidos:  “Cada dia com sua agonia”.
Caramba! A primeira afirmação fez minha memória lembrar de uma atitude que tive em 1999, num evento em Brasilia. Eu, então, presidia um grande fundo de pensão. Sentado à primeira fila num requintado auditório lá estava quando ouvi o então Secretário Geral do Ministério da Previdência discursar. Afirmava algo como: “O Brasil tem dois grandes problemas: os idosos vivem cada vez mais ... e as crianças morrem cada vez menos”.  Um impulso me fez levantar e deixar aquele ambiente. Sai de pronto! Nada mais precisava ouvir depois de tamanha aberração.  O que devia ser festejado, era posto como o grande vilão demográfico. Naquele instante,  minha reação imediata vinha da repulsa a tal pensamento. Talvez, na cabeça de um burocrata daquela estirpe, a solução tivesse sido a eliminação dessas duas pontas da população. Deplorável! 
Agora, os aposentados e pensionistas passam a ser os vilões da combalida situação financeira do erário fluminense. Além de colocar sobre os ombros desses impotentes cidadãos o peso do equacionamento temporário das finanças, ao postergar o pagamento de seus benefícios assegurados por Lei, se lhes atribui a responsabilidade pelo déficit. Inaceitável! Repudiável argumentação.
O segundo ponto que espanta é o do pessimismo descontrolado, quase histérico. “Cada dia com sua agonia”. Aff!!!!! Em todas as crenças religiosas, cada dia é considerado “um presente de Deus”. Mesmo agnósticos e ateus saúdam cada alvorecer.  
O Ministro Gilmar Mendes, na memorável sessão do STF de 14 de abril, afirmou repetidas vezes: “Cuidado com o que se pede ... Você pode ser atendido.” Minha saudosa mãe, Dona Mercedes, dizia: “Cuidado com o que pede. Meu filho ... sempre passa um Anjo e lhe diz amém.”  E Paulo Coelho afirma: “O Universo sempre conspira para realizar o que queremos".
Quando uma autoridade pública se  expressa com tamanho pessimismo, está deixando transpirar a sua impotência diante do obstáculo.
John Lukacs, em seu livro “Churchill e o discurso que mudou a história - Sangue, trabalho, lágrimas”  (tradução de Maria Luiza X. de A. Borges Rio de Janeiro http://zahar2.tempsite.ws/doc/t1242.pdf)  documenta como um dos grandes líderes da História Moderna reagiu diante de incertezas gigantescas para sua época.
Um mau poema não sobreviverá por muito tempo, um bom poema sim. Consideremos agora outra questão: o que ele (referindo-se a Churchill)significou no momento em que surgiu? Terá mudado desde então? Em 1940, alguns discursos de Winston Churchill alteraram o curso da história britânica, europeia, mundial. “Sangue, trabalho, lágrimas e suor”, porém, não teve esse efeito — pelo menos não em 13 de maio de 1940, quando Churchill pronunciou essas palavras, ou nos dias seguintes. Por que então dirigir nossa atenção a essas palavras? Porque elas soam impressionantes em retrospecto? Sim, mas isso não é tudo. Elas lançam um súbito golpe de luz sob — sob, não além — o timbre sonoro da retórica de Churchill. Elas iluminam algo. Refletem algo que estava e que permanece sob sua bravura.
O que eles não sabiam — e que muita gente, inclusive alguns historiadores, não sabe até agora, quase 70 anos depois — era que sob a bravura de Churchill estava sua compreensão de uma tragédia iminente, ainda inimaginável para a maioria: de que era tarde, provavelmente tarde demais, e de que Adolf Hitler estava vencendo, estava prestes a vencer, estava quase vencendo a Segunda Guerra Mundial.
Abordagem totalmente oposta. Ao invés de lamentar cada novo dia, o nobre Churchill conclamava o povo inglês para o enfrentamento do problema. Sem iludir. Mas sem baixo astral. Mesmo diante de todas as incertezas, nada de nuvem negra na cabeça Era como se dissesse: “Cada dia com seu desafio, com sangue, trabalho, lágrimas e suor”.
Certamente por reconhecer o estilo corajoso do estadista britânico no enfrentamento dos desafios, André Motta Araujo disse em “Winston Churchil e a gestão em tempos difíceis” (http://jornalggn.com.br/noticia/winston-churchill-e-a-gestao-em-tempos-dificeis-por-motta-araujo)
A sua "Historia" é um curso de administração de um conflito mundial e uma aula sobre como gerir recursos escassos durante crises. Apesar de seu domínio sobre tudo e todos, era educado, gentil, piadista, folclórico, engraçado, tinha capacidade de rir de si mesmo, suas piadas foram publicadas em muitos livros e são famosas.
Pronto, queridos leitores e leitoras: dei vazão ao que me inquietava. Seria inconfortável deitar, sem desabafar.  Agora que registro meu desencanto com o que li, me sinto reequilibrado e em paz.
Aposentados e pensionistas: resistam com a consciência de que nenhuma culpa lhes pode ser atribuída, direta ou indiretamente. Respeito, isso sim, é o que lhes é devido, além do pagamento de seus benefícios. Por óbvio, o instrumento da Greve deixa de ser sua forma de reação. Mas a indignação de todos deve ser manifestada sob a forma de veemente protesto contra quem quer que seja que lhes tente atribuir responsabilidade pelos obstáculos, estes sim fruto de muitos outros aspectos que independem de suas intervenções, como jubilados do serviço público que são.
Ao fazer minhas orações de fim de noite certamente terei em mente a intenção para que nossos homens públicos tenham mais preparo e sensibilidade para o desempenho de suas funções. Se essas habilidades lhes forem escassas, que sejam iluminados a abdicar de seus cargos, deixando para que outros, com maior senso humanitário, façam o trabalho que precisa ser feito.
Cada dia com sua alegria, prefiro dizer em sentido de gratidão.  Alegria de viver, estimado aposentado e pensionista,  é o que quero cantar pra você, e te ajudar a encarar todo o dia mais facilmente.



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