domingo, 19 de abril de 2020

Outono Sonoro - A Natureza se manifesta



Em dias de Pandemia uma jornalista da Tv Globo gravou um vídeo na varanda de sua residência e disse algo como: “Tenho ouvido o canto de pássaros por aqui e me pergunto: eles já habitavam essa região? Eu jamais prestei atenção ... Ou será que migraram para cá agora?

Esse depoimento me trouxe à mente a bióloga estadunidense Rachel Carson (1907-1964) que em setembro de 1962, nos legou Primavera Silenciosa, sua obra literária reconhecida como um marco histórico para o desenvolvimento do movimento ambiental moderno pela American Chemical Society.

Naquela época, Rachel teria se deslocado para uma determinada região nos Estados Unidos onde, em sua infância, costumava ouvir a exuberância do canto dos pássaros. Adulta, aos 53 anos, ao retornar ao mesmo local, percebeu o silêncio da Natureza. Era Primavera; uma primavera silenciosa! E os efeitos do DDT eram denunciados ao mundo.

Como a autora disse a uma amiga: A beleza do mundo vivente que eu estava tentando salvar sempre ocupou um lugar de destaque em minha mente – assim como a indignação pelas coisas insensatas e brutais que estavam sendo feitas (...). Agora consigo crer que, pelo menos, ajudei um pouco.

Quando o novo Coronavirus surgiu na cidade de Wuhan, capital de Hubei, na China, a Humanidade viu, perplexa, iniciar uma nova era nas relações do animal dito “racional” com a Natureza.

O vírus chega sem manual de procedimentos. Poupa todos os elementos na Terra, exceto um ser: o humano. Ele tem preferência por essa espécie e é voraz, impiedoso. Usa a própria célula do ser atacado para se reproduzir. Fantástico!

Para se defender, as pessoas de todas as nacionalidades, etnias, religiões, idades, gêneros se afastam, se isolam, se tomam de medo pelo desconhecido e pelo seu semelhante.

O risco é transparente. Ninguém consegue vê-lo, ou saber se essa espécie de vida está próxima, presente, junto. Mantras passam a ser veiculados pela grande imprensa, por todas as mídias, na palavra de autoridades, de cientistas,  profissionais da saúde, políticos, jornalistas, de todo o mundo: Fique em casa; Cuide-se; Lave as mãos loucamente (assim disse uma intérprete do One World – Together at home); Passe álcool em tudo o que tocar; Só saia a rua se for inevitável; Use máscara (mesmo que feita com Perfex ... Aff!!!); Proteja-se!

O vírus é democrático. Ataca desde a pessoa em situação de rua até o Primeiro Ministro da Inglaterra.
Algumas propagandas afirmam: Fique em casa (o mantra...) em breve tudo volta ao normal. Normal? O que será normal para os poderosos que até aqui pensaram em poder e riqueza, ignorando a pobreza que campeia mundo afora, muitas das vezes à nossa porta, ignorando as agressões crescentes à Natureza. Mudanças climáticas? Isso é bobagem dizem alguns mandatários de superpotências. Poluição dos mares, degradação do solo, desmatamento da Amazônia, desertificação de áreas férteis ... Tudo bobagem para o ser humano preocupado apenas com o futuro imediato, o daqui a pouco, na certeza de que sempre foi assim e para sempre assim o será. Será???

Até a reprodução humana se vê ameaçada. Infectologistas, quando perguntados por seus entrevistadores quanto ao risco nas relações intimas entre casais (o que até então era absolutamente normal e desejado) prontamente respondem: Bem, a relação sexual pressupõe caricias, beijos, toques e secreções. Se um dos atores estiver contaminado, irá infectar o outro ... E sem serem assertivos, acabam por afastar até o mais tradicional casal tipo marido e mulher, papai e mamãe.

Tele trabalho de repente parece ser a alternativa. Será? Conseguiremos produzir por meio virtual a água potável pelo tratamento dos rios que clamam pela despoluição? Conseguiremos, pela Internet, recolher os dejetos que produzimos incansável e progressivamente em nossas casas, poluindo o solo em aterros (nada ..) sanitários? Quando um ser querido falece por razões naturais (e o ciclo da vida nos impõem nascer, viver e morrer) podemos levar a ele a nossa última homenagem pelo Whatsapp?

Estamos reclusos, amedrontados, perplexos, sem saber ao certo se cada um de nós será a próxima vítima da impiedosa Covid19. À noite, fadigados pela reclusão e pela insegurança, dormimos sem saber o que o dia de amanhã nos prepara. Testou positivo soa como uma sentença de morte. E ninguém quer ser o próximo da vez. Para alguns como eu, cada dia uma nova alegria; para outros, menos otimistas, cada dia uma nova agonia. Será razoável???

Covas são abertas à espera de seus futuros ocupantes. Cenas dantescas que trazem à nossa memória as atrocidades que nós, humanos, fizemos contra milhares de outros como nós ao final dos anos 40 do Século passado.

Enquanto isso, a resposta rápida da natureza à ausência do ser humano vira notícia. Sem turistas por causa de coronavírus, animais voltam às ruas de cidades pelo mundo. 

De macacos na Tailândia a javalis na Espanha, imagens impressionam afirma manchete do jornal O Globo de 22 de março de 2020. Isto só nos faz concluir que menos irmãos e mais algozes somos para Gaia, a Terra Viva como diz James Lovelock. Mudar a atitude que tivemos até aqui para vivermos em harmonia com a Natureza da qual somos parte integrante é, certamente, o nosso desafio. Quem sabe a grande lição deste vírus seja esta? A de que devemos, necessitamos nos harmonizar à Gaia para restabelecermos o equilíbrio para a sobrevivência de nossa própria espécie.

Está claro que nós somos mais nocivos ao planeta que o vírus. Que se perdermos a chance de ajustarmos nossas ações e dermos término à depredação constante do meio ambiente e nossa visão imediatista no uso dos recursos naturais, aí sim arriscaremos a nossa espécie neste maravilhoso planeta levando a nossa sobrevivência ao colapso.

Pequenas mudanças individuais podem fazer a grande diferença. Se, por exemplo, cada um se responsabilizar em diminuir o lixo produzido e na devida separação e seletividade para reaproveitamento e reciclagem, uma conduta simples, mas primordial, faremos o que Gandhi nos legou: Seja a mudança que quer ver no Mundo. Se pararmos de jogar nas costas dos poderes constituídos a responsabilidade civil que é cuidar da limpeza e manutenção das ruas e ambientes sociais e assumirmos esta tarefa, construiremos a resposta perfeita da sociedade para ajudar na cura do Planeta.

Sabemos que a escola é primordial para a formação do cidadão. É o segundo grupo social após a família que a criança tem contato. Uma escola bem intencionada e com um programa onde prevaleça a compreensão de direitos e deveres, forma a futura geração. Geração esta que será a responsável para que esta relação entre nossa espécie e a Terra seja mais harmônica.

Infelizmente nos falta, em nosso País e em outros mais, uma política educacional que sobreviva aos mandatos dos políticos da ocasião. A escola só sobrevive às diversas mudanças teóricas e filosóficas por conta da bravura de seu staff. Na crença nata num futuro mais digno, benevolente e socialmente justo que verdeja em cada professor.

Estas reflexões são fruto de minha troca de impressões com pessoas que respeito e que me inspiram a compreender e  interpretar as relações humanas com o Planeta que nos alimenta e nos dá meios de sobrevivência, da Terra que viemos e à qual retornaremos findo o ciclo natural de nossas vidas. Relações tão descuidadas por gerações e mais gerações. São, também, uma ode aos nossos tão pouco lembrados educadores. Os profissionais da saúde merecem, é claro, o maior reconhecimento neste momento. Mas precisamos lembrar que cada cientista, cada médico, cada enfermeiro, cada maqueiro, todos os que estão na chamada “linha de frente” um dia estiveram nos bancos escolares e foram educados por nossos Mestres que, no anonimato de seu labor, nos permitem ter hoje esses homens e mulheres que buscam mitigar os danos que um microscópico vírus no causa.

Lembremos: tudo voltará ao normal, mas a um novo normal, diferente deste que construímos até aqui, com harmonia com a Natureza, da qual somos parte integrante. Façamos, então, a parte que nos toca mobilizando as pessoas de nossas redes de relacionamentos a realizarem o milagre da mudança que o futuro nos requer.



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