Quando nasci, minha mãe cuidou de
minha higiene lavando inúmeras fraldas de pano todos os dias. O que eu gerava
de lixo? Nada. Produzia dejetos que iam para os esgotos. E só! Idos de 1948, há
72 anos atrás.
Fui o terceiro de três filhos,
com diferença de 10 anos para minha irmã, a mais velha do trio. Lembro que lá
pelos meus 6 ou 7 anos, eu recebia de suas mãos, uma vez por mês, um bilhetinho
em papel dobrado. Minha função era levar esse recado escrito até o armarinho
com uma certa importância e trazer de volta um embrulho com o troco da compra.
O dono do armarinho, um debochado impiedoso, me dizia: lá vai o Modess da
mana. Sua mãe ainda usa toalhinhas.
Hoje isso seria taxado de bullying.
Naquela época eu desconhecia o teor do que ele bravejava, mas me sentia envergonhado
ao levar de volta o tal embrulho. Mas era fato. Rapaz, eu compreendi. Mamãe, em
seu período menstrual, usava toalhas higiênicas, de tecido, laváveis, enquanto
minha irmã, mais moderna, usava absorventes descartáveis, gerando resíduos dispostos
junto com o lixo comum da casa.
Depois da puberdade comecei a me barbear.
Ganhei de presente um aparelho da Gilette igual ao de meu irmão e de meu pai.
Orgulho. Esse aparelho os acompanhava desde rapazes. Era uma honraria; eu passava
a ser um rapaz. Só precisaria trocar a lâmina a cada 4 dias. O que eu produzia
de lixo? Apenas aquela lâmina pequena descartada com cuidado para evitar ferir
o lixeiro. Adulto, fui levado a trocar o meu aparelho de barbear por um
aparelho plástico que, uma vez por semana, ia pro lixo
Em 7 décadas presenciei inúmeras
mudanças de hábitos provocadas pelo mercado de produtos de consumo, da fralda
de pano, da toalhinha higiênica e da lâmina Gillete a muitos e muitos outros produtos
que, em última instância, transformaram as pessoas em geradoras incansáveis de
lixo.
Em 1991 fui convidado a moderar
um evento em Curitiba, organizado pelo SENAI do Paraná, para mediar um dos painéis
de um evento internacional em que o representante do Ministério do Meio
Ambiente do Canadá fez uma exposição sobre a nova etapa que naquela ocasião era
implantada pelo Plano Verde daquele País. Discorreu sobre os esforços na
redução de embalagens mostrando o empenho e investimentos governamentais para
que produtos chegassem ao consumidor com menor geração de resíduos.
Na introdução de seu discurso, o expositor
falou que na etapa anterior o governo montou uma cadeia de distribuição de
alimentos produzidos por hotéis e restaurantes que, ao final da noite, ao invés
de descartarem no lixo esses alimentos,
os mesmos eram entregues a organizações sociais confiáveis como o Rotary cujos
voluntários levavam esses alimentos para igrejas que distribuíam em forma de
refeições a pessoas necessitadas. Uma cadeia do bem. Redução do impacto em
aterros sanitários, envolvimento de voluntários, alimentação de pessoas
carentes e transformação dos resíduos em esgotos.
No intervalo para o almoço, fomos
convidados a um daqueles magníficos restaurantes em Santa Felicidade. Como de
costume na região, nos foi apresentado um cardápio variado com serviço farto.
Como nos é comum, depositávamos aparas da carne servida nos pratos de apoio, além
de comermos de tudo um pouco. Nosso convidado estrangeiro participava incrédulo.
Assistia à cena enquanto saboreava uma caipirinha. Num dado momento, mais solto
(caipirinha ajuda bastante ...) ele nos disse: Sabe quando vocês terão um
plano verde??? E deixou a pergunta no ar.
Estas palavras ainda ecoam em meu
pensamento como pode ser notado neste texto.
Pois então, até dezembro
de 2019, qual vinha sendo o nosso comportamento quanto aos resíduos que
produzimos? Creio que o mesmo de agora, com raras exceções. Alguns esforços aqui
e acolá devem ser reconhecidos como as restrições à fabricação de canudos
plásticos e o incentivo ao uso de bolsas retornáveis nos supermercados, em
substituição à orgia das sacolas plásticas. Mas, e do resto?
Resido num prédio na Tijuca,
bairro de classe média. Na Cidade do Rio de Janeiro há uma Lei municipal que
trata da coleta seletiva e a rua onde moro está inserida no roteiro duas vezes
por semana. Faço a minha parte separando o lixo seco e descartando o lixo
orgânico pelo duto da lixeira coletiva. Costumo higienizar o lixo sólido e deixá-lo
num compartimento no andar em que o apartamento se localiza. Os empregados do
condomínio são atenciosos e cumprem com suas obrigações. No entanto carecem de
orientação adequada e, 4 vezes ao dia, recolhem o lixo seco de todos os andares
num saco preto, misturando tudo o que encontram.
Duas vezes por semana, a coleta desses
resíduos é feita por um caminhão compactador do serviço público. Ou seja:
plásticos, pets, vidros, latas, tudo é compactado formando um único tijolão
que, mais adiante, vai ser depositado numa colônia de catadores. Pergunto: para
catar o que, se está tudo junto e misturado?
Comungo
com o conceito estabelecido pela ZWIA
– Zero Waste International Alliance no que trata do Lixo Zero como uma meta
ética, econômica, eficiente e visionária para guiar as pessoas a mudar seus
modos de vidas e práticas de forma a incentivar os ciclos naturais
sustentáveis, onde todos os materiais são projetados para permitir sua
recuperação e uso pós-consumo.(¹)
Sim
é possível e nesses momentos de isolamento social, quase de reclusão domiciliar,
Gaia nos concede a oportunidade ímpar de disponibilidade de tempo para reflexões
sobra a vida, de análise crítica de condutas e hábitos do cotidiano que impactam
o Planeta que nos acolhe.
Cada um de nós pode considerar a
alternativa de evitar a geração de lixo (recicláveis, orgânicos ou rejeitos) em
nossas residências ou ocupações profissionais ou empresariais. É desafiante sem
dúvida, mas edificante.
Podemos destinar objetos sem uso
para bazares de instituições filantrópicas, por exemplo. As tampinhas plásticas
de refrigerantes, embalagens de leite e outras mais podem ser destinadas a
projetos de reciclagem
E Você, que lê esse texto, certamente
tem sugestões de como podemos ser mais generosos com Gaia, reduzindo o consumo
desmedido e a disposição inadequada de resíduos. Assim, fica o desafio. Envie
um comentário e diga como você entende ser possível repensar o que fazer com o Lixo.
A coletânea de comentários será considerada e agregará valor a estas reflexões.
E Gaia agradece.
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